O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu foi inocentado na quinta-feira (4/10) da acusação de corrupção ativa pelo revisor da Ação Penal 470, Ricardo Lewandowski. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse que não há provas da participação de Dirceu na distribuição de dinheiro a políticos da base aliada ao governo entre 2003 e 2004, esquema conhecido como mensalão.
“Não afasto a possibilidade de que José Dirceu tenha de fato participado desses eventos, não descarto que foi até mentor da trama criminosa, mas o fato é que isso não encontra ressonância na prova dos autos”, disse Lewandowski, que criticou o trabalho do Ministério Público Federal (MPF), classificando as imputações como “políticas muito mais que jurídicas”.
“Mesmo após vasta instrução, o Ministério Público limitou-se a potencializar o fato de José Dirceu exercer funções públicas para imputar diversos crimes sem dar-se ao trabalho de descrever, ainda que minimamente, as condutas delituosas que foram praticadas por ele. São meras suposições, figurino genérico no qual se poderia encaixar qualquer personagem que ocupasse alto cargo no governo central”, disse o ministro.
O revisor desqualificou o depoimento do presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson, o primeiro a envolver Dirceu no mensalão, afirmando que ambos são “inimigos figadais”. Por outro lado, destacou depoimentos de petistas, que, segundo ele, deram prova “torrencial e avassaladora” que Dirceu se afastou da administração do PT quando assumiu cargo de ministro da Casa Civil. “Supor que, nos bastidores, [Dirceu] estivesse manejando os cordéis deste teatro de fantoches é uma possibilidade, mas não é uma realidade processual”.
De acordo com Lewandowski, os depoimentos colhidos comprovam ainda que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares agia com “total autonomia” e que Dirceu não sabia dos empréstimos fraudulentos e da distribuição de dinheiro a parlamentares. O ministro também entendeu que sequer ficou comprovado o papel de articulador político de Dirceu. Como exemplo, citou a reforma da Previdência, que, segundo Lewandowski, foi negociada no Congresso Nacional pelo então ministro da Previdência Ricardo Berzoini.
O revisor ainda argumentou que não há prova cabal da relação íntima entre Dirceu e Marcos Valério e nem de que Dirceu influenciou a indicação de pessoas no governo em troca de vantagens financeiras a parlamentares. Para o ministro, as conclusões para incriminar o réu são embasadas em ilações e em depoimentos de “ouvir dizer” e há vários outros depoimentos que dizem justamente o contrário.
Sobre as vantagens obtidas pela então mulher de José Dirceu, Ângela Saragoça, com os bancos citados na ação penal, e com o réu Rogério Tolentino, Lewandowski entendeu que não há ilicitude nos atos. Destacou, ainda, que esses fatos não são relevantes para a discussão sobre corrupção ativa.
Segundo Lewandowski, a denúncia não informa a ação específica praticada por Dirceu em relação aos partidos da base aliada nem o ato que ele esperava dos parlamentares. Para comprovar seu ponto de vista, o revisor apresentou estudo divulgado na Comissão Parlamentar Mista (CPI) dos Correios que não identifica correlação entre os pagamentos e as votações importantes para o governo. “Não estou dizendo que não possa ter havido compra de voto. Estou dizendo que há prova para todos os gostos nesse imenso acervo probatório”.
O revisor argumentou que o fato de Jefferson ser "inimigo declarado" de José Dirceu "reforça a imprestabilidade do seu depoimento" e citou a frase de Jefferson, repetida pela imprensa, na qual ele diz: "Eu salvei o Brasil de José Dirceu". Para o ministro, o depoimento de Jefferson não deve ser considerado para condenação Dirceu, já que, na situação de réu, ele pode mentir em sua defesa.
Para o revisor, o Ministério Público não conseguiu comprovar as acusações contra Dirceu. Ele ressaltou ainda que há total carência de provas na denúncia. “Nada há contra José Dirceu, salvo as polêmicas acusações de Roberto Jefferson”, avaliou. "Existem sim suspeitas, ilações, totalmente carentes de suportes probatórios", disse.
O magistrado também contestou a tese alemã da Teoria do Domínio do Fato, doutrina que tem ganhado força no julgamento. Lewandowski destacou que a doutrina foi criada em 1963 e contextualizou com a construção do Muro de Berlim e o assassinato de alemães que tentavam cruzar a fronteira entre a Alemanha Ocidental e a antiga Alemanha Oriental. A tese prega que uma pessoa de alto cargo, em uma instituição, pode contribuir definitivamente com um crime, ainda que não tenha participado diretamente nos fatos, pela posição de influência que ocupa.
Lewandowski lembrou que a tese foi utilizada para condenar o ex-ditador peruano Alberto Fujimori por violações dos direitos humanos enquanto esteve no poder. Além disso, citou que a Corte Interamericana pode usar a teoria em casos de guerra. “Não há nenhuma razão para se aplicar a Teoria do Domínio do Fato. Não estamos em situação excepcional, não estamos em guerra, não estamos em situação de convulsão intestina”, concluiu o revisor.
Durante praticamente todo o voto de Lewandowski, o ministro-relator, Joaquim Barbosa, esteve fora do plenário.
Confira placar parcial da segunda metade do Capítulo 6, que trata do crime de corrupção ativa entre políticos do PT e PL e no núcleo publicitário:
1) José Dirceu: 1 voto a 1 (Condena: Joaquim Barbosa / Absolve: Ricardo Lewandowski)
2) José Genoíno: 1 voto a 1 (Condena: Joaquim Barbosa / Absolve: Ricardo Lewandowski)
3) Delúbio Soares: 2 votos pela condenação
4) Anderson Adauto: 2 votos pela absolvição
5) Marcos Valério: 2 voto pela condenação
6) Ramon Hollerbach: 2 votos pela condenação
7) Cristiano Paz: 2 votos pela condenação
8) Rogério Tolentino: 1 voto a 1 (Condena: Joaquim Barbosa / Absolve: Ricardo Lewandowski)
9) Simone Vasconcelos: 2 votos pela condenação
10) Geiza Dias: 2 votos pela absolvição
Edição: Lana Cristina/ Agência Brasil / A matéria foi ampliada às 17h37