A vitória na terceira etapa desta temporada e a sexta consecutiva desde o ano passado provoca uma questão óbvia: chegou a hora de Nico Rosberg bater seu companheiro de equipe e conquistar seu primeiro título mundial? Sem dúvida é muito cedo para fechar questão em torno dessa pergunta, mas o assunto ganha proeminência quando se nota que o desempenho do Lewis Hamilton de 2016 está nitidamente abaixo do que em 2014 e 2015, quando se sagrou bicampeão. Se o tema permite ampla discussão, está muito mais claro que a Williams está prestes a sucumbir aos ataques da Red Bull e deixar de ser a terceira força da categoria, onde a Ferrari ainda não consegue oferecer se aproximar da Mercedes nem em caráter coercitivo…
>> Dar preferência a um piloto em detrimento do seu companheiro de equipe, não importando quem é mais rápido e constante, é algo próximo de uma possibilidade verdadeiramente cristalina na F-1. Entre as muitas vezes que isso aconteceu uma delas cabe exatamente na atual situação da equipe Mercedes. Corria o ano de 1955 e a equipe alemã chegou a Aintree na esteira de uma vitória icônica na Mille Miglia, na Itália, onde Stirling Moss e o jornalista Dennis Jenkinson triunfaram usando o que viria a se tornar o atual roadbook dos ralizeiros atuais. O escriba fez um levantamento detalhado do roteiro e, durante a prova, ia “cantando” para Moss como se preparar para a curva seguinte. Completaram os 1.600 km da prova disputada em estradas fechadas ao trânsito em 10h07min48s…
>> Com esse resultado, Moss foi escolhido para vencer o GP da Inglaterra daquela temporada e o chefe de equipe Alfred Neubauer usou de várias táticas para garantir que o inglês chegasse à frente do argentino Juan Manuel Fangio, que sempre foi nitidamente mais rápido. Primeiro, privilegiou o tempo de treino para Moss, depois tentou consertar com umas voltas extras e ao final do dia os três citados concordaram em disputar posição até abrir uma vantagem considerável sobre a concorrência. Quando essa vantagem estivesse consolidada, Neubauer mostraria a seus pilotos a placa com a mensagem “Lansa” e Fangio e Moss manteriam as posições que estivessem ocupando naquele momento e que, curiosamente, foram as mesmas na prova de estrada italiana, só que o argentino tinha o roadbook na cabeça: correu sozinho…
>> Embora Moss tivesse assegurado a pole position, Neubauer não queria arriscar um resultado por demais importante para as necessidades comerciais da Mercedes-Benz. Assim, ordenou a seus mecânicos que trocassem a relação de marchas do W196 de Fangio, obviamente sem avisar ao piloto; mesmo assim, Juan Manuel liderou as 10 primeiras voltas da corrida e permitiu que o inglês assumisse a ponta e ganhasse a corrida. Ao final da prova, segundo o pentacampeão me confidenciou em uma entrevista exclusiva, chamou Neubauer e deixou claro que era um cavalheiro e respeitava acordos. “Deixei claro que não aceitaria mais atitudes como aquela”, contou-me o filho mais famoso de Balcarce.
>> Passa o tempo e há seis GPs estamos vendo um Lewis Hamilton distante daquele que se sagrou campeão nas últimas duas temporadas e se impôs de maneira clara e descarada sobre seu companheiro e inimigo de equipe Nico Rosberg. Desde o GP do México de 2015, quando Hamilton já largou como campeão, só Rosberg venceu as seis corridas disputadas até agora: México, Brasil, Abu Dhabi e, este ano, Austrália, Bahrein e China. A casa da estrela de três pontas estaria protegendo seu astro compatriota em detrimento de um europeu já firmado entre os maiores da história da categoria?
>> A história diz que isso já aconteceu no passado. Toto Wolff, o bam-bam-bam da Mercedes na F-1, desmente: “Estatisticamente, tem tanta corrida pela frente (18) que não se pode falar de qualquer favoritismo. Ainda estamos na fase de somar pontos sem pensar no campeonato. Nesta altura dos acontecimentos o Hamilton tem todos os motivos para estar decepcionado e ele não seria um tricampeão mundial (2008/14/15) se os resultados deste ano não mexessem com ele. Tenho certeza que ele se recupera rapidinho!”
>> O campeonato prossegue na semana que vem no circuito de Sochi, prova que chega à sua terceira edição e que até agora só teve um vencedor…Lewis Hamilton. Se os girassóis da Rússia se voltarem para o brilho de Rosberg, Wolff terá que se revisar seu discurso. Se Hamilton lograr uma terceira vitória consecutiva lá, os torcedores vão agradecer…
>> As atenções, porém, não estarão focadas exclusivamente nos carros alemães. O progresso demonstrado pela Red Bull neste início de temporada mostrou que essa poderá ser a maior surpresa deste início de temporada, desbancando a Ferrari e a Williams. O australiano Daniel Ricciardo dividiu a primeira fila com o pole-position Nico Rosberg — Hamilton teve problemas com o gerador térmico de energia (MGU-H) — e liderou as primeiras voltas até que o pneu traseiro esquerdo do seu carro dechapasse.
>> O russo Daniil Kvyat, porém salvou as honras da Red Bull e terminou em terceiro, atrás de Rosberg e Sebastian Vettel; o alemão da Ferrari se envolveu em um acidente com o companheiro de equipe Kimi Räikkönen logo na primeira curva e após a última volta, a caminho do pódio, deixou claro a Kvyat que ele tinha provocado o acidente. O russo desconversou e certamente abriu caminho para que, correndo em casa na semana que vem, possamos esperar novos episódios de uma guerra nada fria.
>> Um dos destaques do fim de semana chinês foi Felipe Massa. Primeiro porque um erro de projeto nas tomadas de ar internas para os freios traseiros provocou cortes nos pneus do seu carro. Depois, na corrida, porque ele andou um bom tempo em segundo e terceiro lugares e quando os limites do seu carro mostraram-se inferiores aos Red Bull, Ferrari e à Mercedes do inalcançável Nico, o brasileiro resistiu bravamente a Lewis Hamilton, dividindo várias curvas com o inglês. Torna-se claro que a Williams precisa urgentemente melhorar seu equipamento: o famoso novo bico dianteiro não produziu nenhum efeito positivo e o erro no projeto e fabricação das tomadas de ar traseiras não é algo que se espera de uma equipe com a experiência e capacidade comprovadas.
>> Pilotos unidos jamais serão vencidos…
A letargia que tomou conta dos poderes constituídos do automobilismo brasileiro, em especial da Confederação Brasileira de Automobilismo e, por tabela, sua federações reconhecidas, há muito impacta diretamente no desenvolvimento do esporte. As consequências da falta de profissionalismo da entidade e a visão míope que caracteriza a estrutura político-desportiva do País, contribuíram para que três autódromos fossem fechados nos últimos anos — Rio de Janeiro, Brasília e Curitiba —, ao mesmo tempo que Interlagos é cada mais envolto em reformas e acordos pouco esclarecidos, além de ser usado para eventos outros que sua atividade fim determina. Indiferentes a isso, os cartolas nada fazem para amenizar as consequências que isso traz para o mercado de trabalho do esporte.
>> Tal qual aconteceu no início dos anos 1960, quando Eloy Gogliano, Ramon von Buggenhout e Wilson Fittipaldi lançaram uma ofensiva ao Automóvel Club do Brasil, o detentor do poder esportivo no País, e fundaram a Confederação Brasileira de Automobilismo, uma frente começa a ser articulada para defender os interesses de parte importante do sistema, os pilotos. Criada sob a liderança de Felipe Giaffone, a Associação Brasileira dos Pilotos de Automobilismo (ABPA) soma-se a outra iniciativa liderada pelo piloto da F-Truck e proprietário do Kartódromo Granja Viana, a Liga Paulista de Automobilismo. Com a aproximação das próximas eleições da CBA, o líder da ABPA dividiu sua agenda imediata em frentes: aumentar o número de associados, conseguir apoios comerciais e patrocinadores e, mais importante, negociar com as chapas que deverão disputar o mandato da Confederação para o quadriênio que inicia em 2017.
>> “Com mais associados seremos mais fortes, e com acordos comerciais poderemos conseguir descontos para nossos sócios. Com relação aos candidatos à presidência da CBA quero conhecer suas propostas para tomar a decisão de apoiarmos alguma delas”, declara Felipe Giaffone com a sua maneira calma de se expressar.
>> Até o momento duas chapas deverão concorrer às eleições da CBA: uma liderada por Waldner Bernardo de Oliveira (presidente da Federação Pernambucana de Automobilismo) e Rubens Gatti (presidente da Federação Paranaense de de Automobilismo). Oliveira, mais conhecido como Dadai, representa a continuidade e conta com o apoio de federações do nordeste e de Santa Catarina. Gatti, que dirige a Comissão Nacional de Kart, propõe-se como oposição e teria suporte das Federações do sul e sudeste.
>> Em tal cenário o trabalho de Giaffone ganha importância pelo conhecimento que o piloto tem do esporte: ele vem de uma família tradicional do automobilismo — seu pai José “Zeca” Giaffone e seu tio Affonso Giaffone Jr. —, foram campeões de Stock Car e seu pai e seu irmão constroem carros da Stock Car, e ele tem bom trânsito junto à FIA. Além disso, após cerca de ano e meio ele conseguiu fundar a Liga Paulista de Automobilismo, junto com Dito Gianetti, do Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo. Em outras palavras, se tem alguém construindo algo concreto e pavimentando o caminho para voos mais altos na política do automobilismo brasileiro, está fácil descobrir quem é e qual é o poder de fogo da nova associação dos pilotos.
Wagner Gonzalez
Coluna: CONVERSA DE PISTA
Wagner Gonzales é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA.
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