Encontrar culpados em acidentes de corrida é motivo para muita conversa de pista e aquele que marcou o último GP da Espanha, disputado domingo, em Barcelona, já entrou para a história pautando muita polêmica. De bate-pronto pode-se mencionar a rivalidade cada vez maior entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton, a primeira vitória de um holandês na F-1, a idade do vencedor Max Verstappen, as consequências que isso provocará na relação de sua equipe com o australiano Daniel Ricciardo e o impulso que o resultado trará ao kartismo.
>> O entrevero entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton vai muito além da quebra de uma invencibilidade de sete corridas do primeiro, a manobra mal calculada do segundo ou o fato que pela primeira vez desse o GP do Cingapura de 2015 que nenhum piloto da Mercedes sobe ao pódio de uma etapa do Campeonato Mundial de F-1. O que tornou isso possível foi um investimento dos mais altos e mais bem estruturados da história da categoria, razão suficiente para que a casa alemã não tome nenhuma atitude drástica neste momento. As circunstâncias certamente azedaram por um bom tempo, quem sabe até definitivamente, a amizade que um dia houve entre os dois, o que deixa claro como será o ambiente nos boxes a partir de agora. Dito isso, evitar que esse clima ponha um dos principais programas de marketing e pesquisa da Mercedes torna-se tão ou mais importante do que a própria disputa pelos títulos de pilotos e construtores.
>> Apontar o dedo para o alemão ou para o inglês é algo esperado pelos fãs de um e de outro, ainda que uns poucos o tenham feito de maneira pouco racional. A dinâmica do choque revela que Rosberg largou melhor que o pole position Hamilton a ponto de assumir a liderança quando ambos disputavam a freada para a curva 1. Metros adiante o motor do carro do alemão perdeu potência e velocidade; o inglês quis se aproveitar da situação e tentou a ultrapassagem pela direita. Assim como qualquer piloto com um mínimo de malícia agiria dessa forma, igualmente o adversário em tal situação defenderia sua posição da forma como o líder do campeonato o fez. Hamilton não aliviou e jamais freou; como a aderência de qualquer carro que tem seus quatro pneus na grama é comprometida, o monoposto do atual bicampeão rodou e acertou a traseira do carro do adversário com a roda dianteira esquerda.
>> Ficou claro que Rosberg reajustava o acerto eletrônico do seu carro, que perdia potência e velocidade, ao mesmo tempo que fechava a porta para Hamilton, que nunca se intimidou e jamais aliviou; vale lembrar que os dois já tiveram momentos semelhantes algumas vezes e em papéis invertidos. A perda de potência aparentemente aconteceu por um erro do piloto, que teria selecionado o ajuste incorreto para o momento. Rosberg falhou ao não ajustar corretamente o software do seu carro; Hamilton errou ao arriscar demasiado.
>> Se faz sentido pensar que para a Mercedes é mais interessante que Rosberg conquiste seu primeiro título, o fato é que seu contrato termina no final deste ano e Hamilton está garantido na equipe até 2018. Um problema a mais para a casa alemã resolver: se Hamilton teria lugar em qualquer equipe grande, Rosberg ainda não comprovou que está na mesma situação: ainda que tão instável quanto ele no que diz respeito ao emocional, o inglês é notoriamente mais rápido.
>> O abandono de ambos em Barcelona deixou o caminho livre para que as duplas da Red Bull e Ferrari disputassem entre si as glórias de uma vitória caída de bandeja; ironicamente, foram os supostos segundos pilotos que preencheram os papéis de protagonistas: Max Verstappen e Kimi Räikkönen. Daniel Ricciardo e Sebastian Vettel ameaçaram uma disputa interessante e, novamente, o alemão deste episódio reclamou dos ataques do adversário, neste caso o australiano. Não tivesse o próprio Vettel ter usado de táticas semelhantes frente a, entre outros, ao também australiano Max Webber, suas queixas teriam maior consistência… A Ricciardo sobrou um saldo nada interessante: deixou em aberto se ele terá condição e, principalmente, atenção da equipe, para fazer frente ao já quase ex-novato Max Verstappen.
>> O fato de que há pouco mais de dois anos Verstappen, que completou 18 anos em setembro do ano passado, brilhava no kart e hoje é o mais jovem vencedor na história da F-1 — categoria onde é o primeiro holandês a ganhar uma corrida—, certamente terá um grande impacto sobre a modalidade. Por mais que simuladores e videogames ajudem um piloto a conhecer traçados do mundo inteiro e trabalhar no acerto de chassi, a experiência que o micromonoposto proporciona continua tendo grande valia. Se a Federação Internacional do Automóvel (FIA) não enveredar por caminhos que depõem contra a popularização do esporte — na semana passada a entidade proibiu Nélson Piquet Júnior de disputar uma prova do Europeu de F-3, em Pau —, atuações como a de Barcelona transformarão Max Verstappen como sucessor de Ayrton Senna frente a jovens kartistas do mundo todo.
>> Dito o que você acabou de ler, vale lembrar que todas as equipes, exceto a Sauber, participam de dois dias de treinos livres, hoje (17) e amanhã no circuito catalão. No Campeonato de Construtores a Red Bull abriu 19 pontos de vantagem sobre a Williams (65) e está em terceiro, a 15 da Ferrari, vice-líder atrás da Mercedes, que tem 157. No campeonato de Pilotos, Rosberg segue líder isolado, com 100 pontos, contra 61 de Räikkönen, 57 de Hamilton e 48 de Vettel e Ricciardo. Verstappen subiu para sexto (38). O resultado completo da prova e a situação do campeonato você encontra clicando aqui. A temporada prossegue dia 29, com o GP de Mônaco.
Wagner Gonzalez
Coluna: CONVERSA DE PISTA
Wagner Gonzales é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA.
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