Nos últimos anos, a população não cansa de reclamar da falta de atendimento na rede pública hospitalar do Distrito Federal (DF). Mesmo assim, médicos e outros profissionais de hospitais públicos da capital receberam, entre o segundo semestre de 2010 e o início deste ano, horas extras acima da previsão legal. Em um único mês, o governo local pagou mais de R$ 6 milhões em horas extras, valor suficiente para contratar pelo menos 1,5 mil médicos. Do total, R$ 1,7 milhão foi pago irregularmente.
A informação consta de relatório de auditoria feita pela Secretaria de Transparência e Controle do DF. Segundo o documento, há indícios de que as escalas de serviço de horas extras beneficiam um grupo restrito de médicos. Ainda conforme a inspeção, o revezamento de médicos nos plantões não é cumprido, o que caracteriza “descaso com a população”. A auditoria detectou também que os profissionais não justificam as faltas ao serviço e identificou um caso em que um médico foi trabalhar com sintomas de embriaguez.
A Agência Brasil teve acesso ao relatório da auditoria que analisou dados, por amostragem, de agosto de 2010 a janeiro de 2011. O documento foi concluído em março deste ano e encaminhado à Secretaria de Saúde do DF. Segundo o secretário adjunto de Transparência, Dionísio Carvallhêdo Barbosa, o governo do DF está adotando providências para evitar essas irregularidades. “Cobramos que as recomendações sejam implantadas.”
Somente no mês de agosto, o governo do DF gastou R$ 6,1 milhões com horas extras pagas a 2.592 funcionários. Desses servidores, 857 trabalharam acima das 44 horas mensais previstas em lei, o equivalente a R$ 1,7 milhão, montante que permitiria a contratação de 432 médicos com carga de 20 horas semanais, com remuneração de início de carreira.
MÉDICOS
Com o valor total (R$ 6,1 milhões) pago em agosto do ano passado, seria possível contratar 780 médicos com carga horária semanal de 40 horas ou 1.548 médicos para trabalhar 20 horas por semana.
A legislação prevê o pagamento de horas extras limitado a duas horas por dia. O serviço extraordinário significa acréscimo de 50% em relação à hora normal de trabalho. As horas extras devem ser justificadas pelas chefias e tem caráter temporário.
No entanto, os auditores identificaram que a maioria dos servidores recebeu o excedente por mais de um ano. Um dos servidores auditados, por exemplo, ganhou R$ 314.799 de horas extras, somados os anos de 2009 e 2010.
Para um grupo de somente dez profissionais que receberam por serviço extraordinário, a Secretaria de Saúde pagou mais de R$ 2,3 milhões nos últimos dois anos, ou seja, cerca de R$19,5 mil mensais. Eles fizeram uma média de 155 horas extras por mês.
“Os exemplos mostram um aumento de 42% no número de horas extras entre 2009 e 2010, acarretando um crescimento de despesas com pessoal na ordem de 54%", diz o relatório.
A auditoria constatou ainda que o pagamento das horas extras não significou melhora no atendimento aos pacientes que usam a rede pública no DF. O índice de produtividade dos profissionais durante o serviço extraordinário é inferior em comparação ao da jornada normal de trabalho. Por exemplo, um dos médicos atendia apenas um paciente durante a hora extra para cada sete pacientes atendidos no horário normal.
ATENDIMENTO
“Quanto às horas extras, observou-se que a sua concessão não é suficiente para aumentar o número de atendimentos proporcionalmente ao seu acréscimo, isto é, o incremento no número de horas trabalhadas não corresponde ao proporcional aumento de pessoas atendidas”, destaca o relatório.
A auditoria constatou ainda pagamento das horas extras a servidores faltosos, em horário simultâneo ao da escala regular de trabalho e a servidores em cargos comissionados. O relatório não traz o valor total do pagamento de horas extras no período analisado.
De acordo com o documento, um decreto de 2009 determinava que a Secretaria de Saúde deveria reduzir em 15% a despesa mensal com horas de extras, a partir de dezembro de 2009 até dezembro de 2010. Entretanto, segundo o relatório, houve um aumento de 16% com esses gastos quando se compara dezembro de 2010 com outubro de 2009.
Além disso, foram identificados processos no Tribunal de Contas do DF, instaurados em fevereiro de 1995 e em janeiro de 1997, sobre a concessão indevida de horas extras nos hospitais de Base, o maior do Distrito Federal, e de Planaltina.
A Secretaria de Transparência e Controle recomenda fiscalização permanente, implantação de ponto eletrônico e um sistema central de escalas de trabalhos dos servidores.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Saúde não se manifestou até a veiculação da matéria.