Após sete anos das primeiras denúncias, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar hoje (2) o mensalão, o maior processo político já analisado pela Corte. Os 11 ministros definirão se houve esquema de corrupção e compra de apoio para o governo no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e caso afirmativo, quais foram os responsáveis pelos delitos.
A grandiosidade do caso pode ser medida por seus números: são 38 réus, cerca de 500 testemunhas e mais de 50 mil páginas de autos. A expectativa é que o julgamento se estenda por dois meses, enquanto a maioria dos processos que passam pelo Tribunal dificilmente ultrapassa três dias de trabalho.
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público, o mensalão foi um esquema montado no governo Lula para comprar apoio de parlamentares e para saldar dívidas de campanha com dinheiro não contabilizado, o chamado caixa 2. Os acusadores entenderam que pelo menos quatro partidos – PT, PP, PL (hoje PR) e PTB – beneficiaram-se do esquema, além da contrapartida para empresários e funcionários de instituições financeiras.
As primeiras informações sobre o assunto surgiram em meados de 2005, quando o então deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, deu entrevista detalhando a arrecadação e distribuição de verba. Na época, Jefferson era acusado de chefiar esquema de desvio de recursos nos Correios.
Segundo o parlamentar, a cúpula do PT autorizava o empresário mineiro Marcos Valério a captar recursos de instituições financeiras e empresas públicas por meio das agências de publicidade DNA Propaganda e SMP&B Comunicação. A verba era distribuída, então, entre aliados do governo, camuflada em pagamentos a fornecedores.
Coube ao Congresso Nacional fazer o julgamento político sobre o esquema apontado por Jefferson. Depois de duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs), a dos Correios e a do Mensalão, quatro parlamentares renunciaram ao cargo – José Borba (PMDB), Paulo Rocha (PT), Valdemar da Costa Neto (PL) e Carlos Rodrigues (PL). Além disso, três deputados foram cassados: Roberto Jefferson (PTB), José Dirceu (PTB) e Pedro Corrêa (PP).
As implicações jurídicas do suposto esquema chegaram ao STF em 2006, por meio do então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Ele apontou indícios do funcionamento da organização criminosa e pediu o processamento dos fatos. O pedido foi aceito pelo STF em 2007, quando recebeu a denúncia conta os 40 acusados e abriu a Ação Penal 470.
A maioria dos réus passou a responder pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, que é a ocultação da origem criminosa da verba. Também há réus que respondem por crime de evasão de divisas (envio de dinheiro para o exterior), gestão fraudulenta de instituição financeira e peculato (servidor que usa bem público em proveito próprio).
O relator Joaquim Barbosa passou os últimos cinco anos recolhendo mais informações sobre o processo para verificar se a denúncia do Ministério Público é respaldada pelas provas e testemunhos. Enquanto isso, o número de réus caiu para 38 com o acordo firmado em 2008 entre o Ministério Público e o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira e com a morte do ex-deputado José Janene (PP) em 2010.
Em 2011, já na fase final do processo, o procurador-geral, Roberto Gurgel, defendeu que as suspeitas ficaram provadas durante a ação penal. Gurgel só fez ressalvas sobre a situação de Luiz Gushiken, secretário de Comunicação Social do primeiro mandato de Lula, e de Antonio Lamas, assessor do PL, que foram excluídos da acusação por falta de provas.
Para os advogados dos réus, o Ministério Público não conseguiu provar a existência do mensalão durante a ação penal, e logo, o esquema não existiu.
Réu do mensalão alega cerceamento de defesa
O advogado Haroldo Rodrigues, que representa o ex-empresário Carlos Alberto Quaglia no processo do mensalão, entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a nulidade do processo para o seu cliente. Ele alega que houve cerceamento de defesa porque não foi convocado a defender o ex-empresário em etapas importantes do processo.
Quaglia era dono da corretora Natimar, empresa acusada de lavar dinheiro do esquema montado pelo publicitário Marcos Valério. O ex-empresário começou a ser defendido pelo advogado Dagoberto Antoria Dufau, que deixou o caso em 2010. Em abril de 2011, o ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, entendeu que o réu não nomeou outro defensor e constituiu a Defensoria Pública da União como seu representante judicial.
No habeas corpus apresentado na terça-feira (31/07) ao STF, divulgado apenas hoje, Haroldo Rodrigues alega, no entanto, que houve falha processual porque ele já havia sido nomeado para defender o ex-empresário quando a Defensoria Pública foi chamada.
Segundo a defesa, o réu alertou o Ministério Público sobre a substituição em seu próprio interrogatório, mas a mudança passou despercebida.“A inexistência das intimações do advogado do acusado para apresentar suas quatro testemunhas de defesa também é nulidade absoluta, representada por cerceamento de defesa por parte do Poder Judiciário”, atesta trecho do pedido.